Feitio de Existir
No início, o amor surge límpido e sem intenções. A primeira flor em campo virgem. Encontrado pela primeira vez, um ser maravilha-se pela sedução que invade e percorre seu corpo. Uma série de experiências começa; a primeira marcante na vida de alguém. Nasce uma nova criança, com um ramo de escolhas, situações e um arrepio que tende a enfraquecer a pessoa, bambear as emoções, hesitar os movimentos. Não tente, não há que ser forte.
Teorias e pensamentos se mesclam em bobas tentativas imaginárias de abordagem, quase nunca praticadas. Desafios que aparentam não ter soluções efetivas. O mundo muda de foco, e para aqueles que não estão em seu campo de visão, isso se torna tedioso e infantil. O novo olhar toma conta e a rotina simples se complica, tornando-se retalhos mal cortados.
O medo da derrota começa a assombrar a esperança. A criança procura por regras para poder se guiar, mas não as encontra. Sendo assim, guia-se e age de acordo com o que é, sem truques. Ainda encantada, seu receio natural a faz distanciar-se daquela flor, imaginando ser impossível ter em mãos tamanha beleza. Desacredita em seu poder e desespera-se.
A inveja do pedaço de mundo que nunca sentiu este turbilhão se aproveita do desespero. Pequenas ações plantam ervas daninhas invisíveis pelo campo, construindo uma parede de dúvidas em frente ao ser. Desnorteada, a criança cai na armadilha. As atitudes que a seguem são apenas fracassos. Decepção com o que, até então, encantara tanto.
Um aperto forte tira toda a cor que existe em sua volta, deixando apenas uma chuva cinzenta. Quer rir, mas só o que consegue é chorar. Uma solidão cobre seus dias. Procura por atenção, mas para isso se isola, esconde-se.
Deseja tanto que as coisas mudem que parece não sobrar mais forças para que aja. Suas certezas se abalam. Tenta encontrar os culpados, mas eles estão camuflados. Não percebe a tênue cortina de trapaças. Quanto mais ela procura a culpa nos outros, mais se encontra. Sendo assim, veste-se de todo esse pecado. Sente-se responsável por tudo, inclusive da mágoa que sente. Não tente, não há que ser feliz.
Foi treinada a "ser você mesmo", e quando aprendeu a lição encontrou a intolerância do mundo que a ensinou. Afinal, isso não era para ser bom? é incompreensível para ela. Parece estar a um passo de sair da realidade e ao mesmo tempo ter tanta consciência disso. Em uma tentativa de não mais se machucar, fecha-se em seu mundo.
Porém, justo quando está tudo construído, percebe que os espinhos que fazem a barreira de seu recanto estão virados exatamente para seu lado!
Desesperadamente, tenta encontrar algo que a sustente. Sem dar-se conta, sua base mudara de lugar. Ao tentar pisar no chão, cai.
A primeira queda é fundamental.
Agora, mesmo com sua arrogância e ingenuidade juvenil, esta criança deve se levantar sozinha, crescer enquanto enfrenta seus medos, aprender com suas próprias experiências. Até o final deste caminho, deve passar por quantas dificuldades e testes forem necessários para entender que possui e é tudo o que precisa.
Compreender que há que ser tranquilo, apenas isso.
Nota Final
Todos possuem uma pequena xícara. Cada presença, mudança ou aprendizado é uma gota que ajuda a enchê-la. Quando se atinge a borda, param-se as gotas ou esvazia-se a xícara.
A evolução é moeda viciada; nunca se desenvolve em terreno construído. Ou sim, mas, de estruturas antigas e abaladas, os sobrados são extremamente instáveis. Meus terrenos se acabaram. Não tive coragem de destruir o que já se foi. Em casas antigas e abandonadas do meu passado, alojaram-se vermes e parasitas.
Porém, minhas gotas não se cessaram. Seu líquido começou a transbordar, derramando e me deixando incomodado. Não era lógico destruir o que havia feito. Foram tão belas construções... Deveriam ser eternas! A idéia do belo perpétuo, junto com o orgulho de meus frutos, era intocável para mim. Qual criador não se orgulha ao ver sua obra desenvolvida?
Todavia, apaixonar-se por uma idéia é um bloqueio. Impediu-me de abrir os olhos para outras. Quando comecei a raciocinar e a perceber que o ilógico poderia ser vital, meus pés já estavam encharcados. O desespero de senti-los assim foi espantoso. Subitamente, segurei minha xícara, firme, com uma angústia da necessidade de renovar que chegara ao seu limite. Joguei todo seu conteúdo em rostos.
Primeiro erro decisivo em minha vida. Não, não foi erro. Mudança seria a palavra correta. A ação foi como se me tirassem da embalagem e jogassem em meio de crianças trapalhonas. A reação foi a revolta daqueles, de caras molhadas.
Destruí, em pouco tempo, boa parte de meus cortiços, deixando apenas terrenos limpos por um tufão repentino. Fiquei confuso de primeira vista. Neste momento, toda teoria se juntou em ponto minúsculo, chacoalhou meu cérebro e disse: e agora? Foi então que houve um estalo diante de meus olhos. O ponto se expandiu, ultrapassando o limite das palavras, clareando cantos escuros, ociosos e ocultos de mim mesmo e revelando a importância ou não relevância dos já descobertos. Analisando este mais novo refluxo, cheguei a uma conclusão: joguei-me do abismo pela última vez. Pelo menos, assim que será visto a qualquer outro...